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quarta-feira, 5 de outubro de 2011

A revolução adormecida


Eles já não eram tantos quanto um dia dizem que foram. Falavam muito, mas poucos lhes davam ouvidos. Uma gente que até já nem incomodava. Ninguém poderia imaginar que fariam algo novo. Mas um dia eles iniciaram a revolução que sacudiu as bases do nosso mundo capitalista-consumista. As armas haviam estado escondidas todo esse tempo no lugar mais improvável.

Hoje, em algumas universidades, tentam descobrir onde tudo começou. Há pesquisadores que apontam para uma cidade pequena dos Estados Unidos. Outros falam com entusiasmo de uma vila no interior do Quênia. E há também propostas que apontam para grandes e pequenas cidades na América do Sul, na Ásia e na Europoa. Não sei, mas começo a crer, ainda que crer antes fosse contra todos os meus princípios, que isso tudo começou mesmo foi na tal da Galileia. Sim, porque é tudo muito simples. A única arma que eles usaram foi essa que parece estar com eles desde mais de dois mil anos, mas meio inutilizada muitas vezes: o amor.

Eles não disseram nada muito diferente do que sempre disseram. Mas, de repente, começaram a agir de outra maneira. Pegavam todo o dinheiro que tinham e que não era necessário para manter sua família e ajudavam os outros. Pararam de adquirir bens para guardar ou ostentar. E não foi meia dúzia de uma comunidade que começou a agir assim. Foram milhares e, em algumas semanas, eram milhões. Cancelaram compras que estavam por assinar e muitas reservas em hotéis luxuosos. Deixaram de procurar os imóveis mais caros e algumas lojas de grife. Algumas concessionárias e casas de show ficaram desertas. Os publicitários já não sabem o que fazer. Esse pessoal já não se convence, já não entra no jogo. Até os governos não sabem como lidar com o assunto. Pensaram que se tratava de uma estratégia para lavar dinheiro ou se livrar do Imposto de Renda. Mas as proporções a que as coisas chegaram convenceram de que não era somente questão de burlar o fisco.

Meu negócio, entre tantos outros, faliu. Eu sou, ou melhor, era representante de uma marca que eu pensava que era eterna, dessas que vendem camisetas simples de algodão a cento e cinquenta reais só por causa da pequena identificação colada no peito. Sempre me dei bem no ramo. Principalmente entre esse pessoal que se reúne em umas igrejas aqui na redondeza. E agora? Perguntei a um antigo cliente o que estava acontecendo. Ele me olhou com um olhar cheio de compaixão, como se quisesse mesmo que eu entendesse e começou a falar: "Por que gastaríamos dinheiro com aquilo que não é pão?". Ele prosseguiu, mas não entendi muito, porque não me ligava nessa conversa de Bíblia.

Num dia desses, em um programa de TV, havia um debate entre algumas pessoas contra e outras a favor desse movimento (é assim que o estão chamando). Entre os debatedores, estavam dois bispos católicos, alguns teólogos e pastores protestantes, um sociólogo e outros pastores desses famosões. Um desses últimos foi meio patético. Parecia mais preocupado com a queda de vendas de sua editora do que com a inexplicabilidade das coisas. Outro reclamava que sua igreja andava vazia. Dizia que uns filhos do diabo tinham ensinado asneiras aos seus fieis, que já não queriam grandes vitórias na vida financeira. Um dos bispos católicos e um teólogo protestante, por outro lado, confessaram que já não imaginavam que nada igual aconteceria um dia. Disseram que esperavam que suas igrejas minguassem até o fim. Eles choraram no palco e contaram que venderam alguns bens naquela semana mesmo, indicando que estão participando também.

Com meu negócio falido e sem entender muita coisa, pensei em fazer uma bobagem. Mas um primo me ligou e perguntou se eu precisava de alguma coisa. Eu precisava mesmo, mas não era tanto de dinheiro, porque tinha um pouco guardado, dois imóveis e três carros bem caros. Eu conseguiria vendê-los com algum esforço. Bem, acho que conseguiria, mas por um preço bem mais baixo, pois com a procura em baixa e a oferta em alta, carros do tipo já empoeiravam em algumas lojas. Enfim, mas o que eu queria mesmo era alguma explicação. Esse primo era desse pessoal e agora, pela maneira como tinha me oferecido ajuda, eu sabia que participava do movimento. Por isso, perguntei:

- O que é que está acontecendo com vocês? Todo mundo endoidou junto? Vocês sempre falaram sobre essas coisas, mas se contentavam em fazer assistência social como todo mundo, para acalmar a consciência. O que é que está acontecendo? Tem alguém te obrigando a fazer isso?

Ele suspirou e respondeu de uma vez:

- Tem. Tem uma Lei escrita aqui dentro do peito que não para de arder. Toda vez que olho para alguém, mesmo desconhecido, ela arde mais forte e eu percebo cada uma de suas letras em brasa: "Amarás o próximo como a ti mesmo e a Deus sobre todas as coisas". Não tenho mais como viver de outra maneira. Minha vida como era acabou. Já comecei a vida eterna e, agora, já não sou mais eu quem vivo, é Cristo que vive em mim. Como é que eu poderia fazer alguma coisa diferente?

- Mas e a liberdade que o sistema te dá? Você joga fora todos esses séculos de desenvolvimento do capitalismo?

- A única liberdade que me interessa é fazer a vontade do Pai.

Eu desliguei o telefone na cara dele. Como é que tinha acontecido isso? Era como se um E.T. tivesse aparecido na minha sala. Por que não podiam ter continuado só falando, como antes? Assim não mexeriam com o sistema nem com minha mente. Não sei bem o motivo, mas voltei a ligar aos prantos poucos minutos mais tarde. Ele não atendeu. Estava batendo na minha porta. Eu abri e ele me abraçou. Não era meu primo. Não como eu o conhecia. Foi quando comecei a crer. Tudo por causa de um novo mandamento, que de novo nada tinha, somente o fato de que, agora, estava sendo vivido.

Desde então, o que se tinha como valoroso já nada vale. E o que se considerava secundário tornou-se o principal. Eu fui contagiado. Agora eu sou um deles, um dos mortos vivos, também chamados cristãos, que repudiaram a falsa liberdade das riquezas em favor da liberdade do amor em açao, e que assombram os aproveitadores do modo de vida capitalista-consumista.




Texto meu, Cesar M. R.


4 comentários:

  1. Meu Deus Cesar, que lindo! É DISSO QUE FALO, este é o evangelho que amo tanto, que divide e reparte, que não tem como valor as coisas deste mundo. Que faz arder dentro do meu peito e me consome de tanto amor pelo meu próximo e a Deus.Lindo, lindo, lindo demais seu artigo. Parabéns! lagrimejei os olhos. Paz!

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  2. Olhar e não vê, é isso que vemos, procuramos pelo amor verdadeiro e o que vemos é hipocrisias. Falar é fácil e eu sei bem, mas viver o evangelho de modo a ter compromisso com o senhor é o que esta faltando, não falo da obrigação, mas do amor me movendo para servir. Quando olhamos os pregadores de hoje vemos pessoas preocupadas com sua imagem para alguns, mas para os pobres essa imagem não é importante para eles. Precisamos cada vez mais de reflexões que nos leve a realmente viver a nossa conversão no amado. Abraço.

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  3. Paz meu irmão.Extremamente lúcido e prático.E assim,de fato é o Evangelho.Sem firulas.
    Quando o Cristo de fato impacta nossa vida inicia-se uma revolução de amor.
    Abração.

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  4. Rô, Celso e Anselmo,
    Obrigado pelos comentários!
    Que nos voltemos mesmo a Jesus Cristo, na prática do amor. Aí está nossa unidade.
    Abraços,
    Cesar

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