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segunda-feira, 22 de agosto de 2011

O pequeno moçambicano



No travesseiro, minha cabeça repousa enquanto a alma não tem pouso. Agita-se dentro, em algum lugar que não sei bem onde, se no peito, no cérebro, nos pés ou em outro esconderijo qualquer. Aquieta-a a Graça, que me lembra das misericórdias do dia que virá. Aquieta-me dizendo-se suficiente. E eu creio. Mas logo aparece aqui do lado um pequeno moçambicano de olhar fundo de fome. Olha-me triste como querendo chorar, mas sem ter lágrimas só fica parado e insiste no silêncio. Não tem lágrimas, pois não tem nada além da carência que o acompanha desde o ventre materno. Estende a mão e eu a pego. Anda uns poucos passos vacilantes com o olhar fixo em mim. Assim mesmo, olhando pra cima. Logo, senta-se sem forças. Encontra palavras que escuto sem sotaque: “Você procura cidades bonitas e paisagens agradáveis de se ver, mas nunca pensou nesta terra seca que logo receberá minha carne pouca, nem nessas pedras duras que são meu travesseiro.” Solto sua mão e abro os olhos. Estou com a cabeça de novo no meu travesseiro. Mas o pequeno moçambicano ainda está lá, e cada vez mais fraco. Alguém se aproxima sem pedir licença. Pega o menino no colo e o embala, como se o pobre merecesse ser ninado ao menos na última vez que adormecesse. Cantarola uma melodia bem baixinho. Mas eu consigo escutar e lembro da letra que uma vez ou outra ouvi:

Morri, morri na cruz por ti
que fazes tu por mim?

Choro.

Cesar M. R.

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