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sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Mínima reflexão sobre a vocação pastoral

 Púlpito da Igreja de São Botolfo, Cambridge

Eis um problema! Mudar o rumo da vida para dedicar-se ao ministério pastoral? Não são poucos os que passam por essa questão e têm que dizer "sim" ou "não". Palavras pequeninas, mas que podem transformar tanta coisa. Martinho Lutero decidiu ser monje no meio de uma tempestade. Fez um voto: "Se eu não morrer aqui, eu vou pro mosteiro!" (Isso quando ele já tinha estudado bastante coisa das disciplinas seculares de seu tempo.) Um exemplo diferente é o de Don Zeno, sacerdote católico italiano nascido em 1900. Ele relutou durante muito tempo. Um bispo o convidava a tornar-se padre. Um dia, ele vai ao bispo e pede: "Não tenho certeza se é o que devo fazer. Decida para mim! Dá-me uma resposta." O bispo disse que a resposta deveria vir de dentro dele. Convidou-o a passar uns dias no seminário e, chegando lá, disse: "Você tem oito dias para se decidir! Vou querer saber se é sim ou não." Don Zeno pensou, rezou, ameaçou um Cristo quebrado que estava em seu quarto ("Diga-me agora, ou te jogo pela janela!"). Nada. Nenhuma segurança. Na última noite do prazo, ele sai do seminário e, na andança, acaba adormecido em um celeiro alheio. Um menino o desperta com uma ferramenta a ameaçá-lo e perguntando: "Você é ladrão?" Zeno responde sem pensar: "Não, eu sou padre!" A decisão estava tomada. No fim das contas, se considerarmos que o voto de Lutero no meio da tempestade pode ter sido precedido por muitos não relatados momentos de dúvida e reflexão, podemos até supor que essas duas experiências sejam semelhantes. O curioso é que só sabemos delas porque a resposta foi afirmativa.

Pois bem, na igreja de que faço parte, enfatiza-se o "chamado exterior", em detrimento do "chamado interior". Explico: os grupos que creem e valorizam o chamado interior esperam que o vocacionado tenha algum tipo de experiência profunda (íntima e até inefável) que o motive a dispor-se ao ministério pastoral. O problema dessa expectativa é que muitos jovens (e senhores) que seriam ótimos pastores (ou padres) ficam à espera da tal experiência sem saber bem o que seria. Esperam, esperam sem saber o que esperam (porque todos dizem: "não dá pra explicar", ou "escutei uma voz, mas não havia voz") e nada. Outros, que não têm nenhuma aptidão para a função, podem sentir alguma coisa confundivel com o tal chamado interior e vão animados ser o que não têm jeito pra ser. O chamado exterior, por sua vez, é feito pela igreja. Um líder (pastor, padre, líder leigo, o que for) convida a pessoa a se preparar. O convite pode ser específico, diretamente feito a alguém. Mas pode também ser geral. No caso da minha igreja, atualmente, faltam candidatos ao ministério, por isso, há cartazes e panfletos convidando (é claro que depois tem uma prova a ser feita e um curso de seis anos).

Bem, um problema adicional é uma certa centralização dos serviços da Igreja na figura do pastor. Algumas pessoas sentem grande vontade de servir a Deus. Elas até têm habilidades valorosas, que podem ser bem aplicadas em um ou outro serviço específico no cotidiano de uma comunidade de fé. Seriam ótimos professores, ou missionários, ou conselheiros, ou diáconos etc. Mas acabam buscando o ministério pastoral, embora não reúnam todas as características solicitadas por essa função. Um dos motivos disso talvez seja o fato de que o pastor é o único que pode se dedicar em tempo integral à Igreja, por receber salário para tanto. Outro motivo pode ser o imaginário criado entre os fiéis de que o pastor está em posição hierarquicamente superior, ou que detém um saber exclusivo.

Na minha humilde e leiga opinião, imagino que é preciso que as diretorias das comunidades (e confesso que gosto que o presidente da comunidade não seja pastor) procurem alternativas para se facilitar a integração das diversas pessoas (com suas diversas habilidades) nos diversos serviços benéficos à ação da Igreja. Isto é, as comunidades devem ter uma dinâmica que favoreça a colaboração, que encaminhe as pessoas a pequenas mas importantes e úteis atividades, e não que centralize e gere dificuldades para quem quer servir. Assim, não aconteceria o que tem acontecido: Igrejas com poucos membros (o grupinho atuante) fazendo muitas coisas, e muitos membros (os espectadores) não fazendo nada. Não se deve pensar em competição com o ofício do pastor, não é nada disso. Ao contrário, o pastor pode ser favorecido por uma mudança como essa, pois terá mais tempo e recursos para realizar o trabalho que de fato lhe cabe. Como fazê-lo? Questões a se pensar. Mas com urgência. Segundo penso, disso (dessa mudança de organização) depende a vida e a pertinência de nossas comunidades.

Um abraço,

Cesar

P.S.: Há também outro problema de que não quis tratar e que pode afetar a resposta ao chamado: a vergonha de ser "pastor", em um país em que qualquer um pode ser assim chamado, ainda que nada saiba e diga qualquer asneira.

Um comentário:

  1. Irmão, talvez não se trate de um sim ou não. Digo isso por que passei por ele. Muitas vezes a resposta está diante dos nossos olhos e não percebemos. Colocaste bem o que não deveria nos levar a vida ministerial. Hoje vejo claramente que minha vida poderia te continuado como era antes, e estaria servindo ao senhor da igreja da mesma forma. Olho este clamor seu e vejo o mesmo no meu coração, diaconato traria para os nosso corações uma forma agradável de servir ao senhor. Penso que o mesmo poderia ser até pago pela igreja, da mesma forma que paga um estagiário. Lógico, com um período de instrução e um acompanhamento adequado no oficio da pregação e na liturgia. Mas, vejo também que isso não passa pela cabeça dos colegas. E uma cidade como a nossa fica só com o trabalho que temos e poderia ser multiplicado por dez ou cem como coloca o texto bíblico. Sim ou não, pode mudar a nossa vida, mas pode mudar muito mais as vidas daquelas pessoas que nos ouvirem no futuro. Boa reflexão.

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